sábado, 29 de setembro de 2007

Professora ensina vegetarianismo e, 10 anos depois, me manda notificação extrajudicial para retirar post a respeito

Em 25 de abril de 2016, quase 10 anos depois de publicado, foi pedido que o conteúdo deste post de blog fosse retirado. Quem fez isso foi, surpreendentemente, a pessoa sobre a qual ele tratava, positivamente, por ter feito um trabalho bacana de educação. 

O que me deixou especialmente chateado foi que, ao invés de ela me buscar diretamente (como tantas vezes ocorre nas interações para se resolver coisas, ainda mais entre colegas de causa), me mandou uma "notificação extrajudicial" por meio de um escritório de advocacia! Trata-se da história de uma professora que eu admirava por ter realizado um projeto de educação vegetariana em escolas, e teve seu trabalho divulgado numa matéria da Revista dos Vegetarianos (edição 12, setembro de 2007).

Como maior argumento, ela insistia que não houve "autorização" para reprodução desta matéria. Porém, sei bem que a lei de Direitos Autorais permite livremente a reprodução de conteúdos da imprensa, desde que haja atribuição de crédito à fonte, como se pode ver na Lei 9.610/98 (site do Planalto):

"Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I - a reprodução:

a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
(...)

III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;"

Não há que se falar em direitos de autor para ela; e sim para a revista. Uma vez que ela tenha pedido para ou aceitado ser entrevistada pela revista, tornou-se pública, permitindo que outras fontes também tivessem acesso ao material divulgado.

Vejamos paralelo nesta decisão mencionada pelo JusBrasil: "Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é lícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. - Recurso especial não-provido. (Resp 595.600, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, de 18/03/2004)"

Também não havia neste texto ofensa à sua honra, seja por calúnia, difamação ou injúria contra a pessoa, pelo contrário, apenas divulgação elogiosa, como se poderá ver abaixo.

Poderíamos pensar em direitos de imagem para ela. Afinal, de acordo com a Súmula 403 do STJ: "Independe de prova ou prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais." Porém é claro que não obtive lucros com este blog ao divulgar a imagem dela; o fim foi apenas de divulgação de projetos sobre vegetarianismo. 

Vejamos o que conclui a respeito o site JusBrasil, linkado logo acima: "A nosso ver, e de acordo com o que vem sendo decidido pela jurisprudência pátria, a ação para fazer cessar o uso indevido de imagem (clássica obrigação de não fazer), assim como àquela para pleitear a consequente indenização (obrigação de pagar quantia), demandam duas condições alternativas ; 1) exploração econômica através da imagem e/ou; 2) lesão da pessoa retratada."

E há também, claro, o interesse público da comunidade vegetariana envolvido na questão devido ao projeto de conscientização realizado.

Apesar disso, a notificação que ela me mandou requeria a retirada da matéria e fotos "sob pena de ajuizamento de demanda judicial cumulada com pedido de danos morais, devidamente corrigidos monetariamente". (!)

Seja como for, a despeito de meu desgosto na interferência dela em meu blog pessoal, da maneira descortês e estranha de abordagem por não falar comigo diretamente (apesar de a advogada em si nunca ter sido descortês, pelo contrário, sempre educada), dos argumentos jurídicos sem sentido, e do sombrio "sob pena de (...)" acima; desconhecendo os motivos pessoais da pessoa, como proposta de acordo, retirei as menções ao nome e também a foto dela daqui; menções ao colégio em que ela atuou, entre outros detalhes, mantendo somente algumas passagens do texto original para demonstrar seu teor.

(Também solicitei à coordenação da USP da rede de blogs Stoa, onde este post havia sido copiado, para retirá-lo do ar.)

Realmente fiz questão de não apagar este post, e pelo contrário busquei expandi-lo, pesquisando sobre seu caráter jurídico, já que a reclamante fez questão de entrar nesse mérito - até para ajudar outros leitores que busquem pelo assunto na internet a se esclarecerem sobre possíveis abusos neste tipo de situação. Mesmo assim, como pediu a advogada da solicitante em nosso acordo, reescrevi o texto de forma impessoal, retirando o nome dela, entre outros detalhes, como citei, além de termos que ela não tinha apreciado em uma versão prévia deste post (talvez por não achá-los de bom tom). Então, dou o caso por encerrado.

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O texto inicial da matéria era: "Ela superou as dificuldades do passado e hoje divulga o vegetarianismo em um dos lugares onde ele mais deveria ser divulgado: nas salas de aula"

""Quando percebemos o grau de desumanização da sociedade, vemos que a arte na educação pode ajudar no processo de reconstrução de uma identidade humana". A frase não poderia vir de outra pessoa senão de um educador. Neste caso, de uma professora paranaense determinada em seu propósito: divulgação do vegetarianismo por meio da educação e de trabalhos artísticos. Consciente das mazelas da sociedade, ela se propôs a desempenhar seu papel e realizar algo pela vida.

(...) Destinado a estudantes de 16 e 17 anos da rede pública de ensino, o programa pretende não apenas pôr fim à desinformação em relação ao movimento vegetariano, mas também quebrar barreiras socioculturais tão arraigadas no Brasil. "A escola reflete os conflitos de interesses existentes na sociedade, que está polarizada entre uma minoria com renda monumental e uma maioria miserável, e que segue um modelo político e econômico em que o lucro e a produtividade estão acima de tudo".

(...)

Convicta de sua escolha, resolveu arregaçar as mangas e ir atrás daquilo que acredita fazer a diferença: educação. No final do ano passado, elaborou seu projeto e buscou instituições de ensino que se interessassem pelo programa. Visitou três escolas da rede pública de Curitiba, onde mora atualmente, e apenas uma - Colégio (...) - aceitou sua proposta. "Em função da minha formação e experiência profissional como professora de (...), acabei por integrar a arte em questões relativas ao meio ambiente e à cidadania." (...)"

[Da Revista dos Vegetarianos, edição número 12, de setembro de 2007; trechos entre colchetes são minhas inserções.]

Um comentário:

Anônimo disse...

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