Professora ensina vegetarianismo e, 10 anos depois, me manda notificação extrajudicial para retirar post a respeito
Em 25 de abril de 2016, quase 10
anos depois de publicado, foi pedido que o conteúdo deste post de blog
fosse retirado. Quem fez isso foi, surpreendentemente, a pessoa sobre
a qual ele tratava, positivamente, por ter feito um trabalho bacana de
educação.
O que me deixou especialmente
chateado foi que, ao invés de ela me buscar diretamente (como tantas vezes
ocorre nas interações para se resolver coisas, ainda mais entre colegas de causa), me
mandou uma "notificação extrajudicial" por meio de um escritório
de advocacia! Trata-se da história de uma professora que eu admirava
por ter realizado um projeto de educação vegetariana em escolas, e teve seu trabalho
divulgado numa matéria da Revista dos Vegetarianos (edição 12, setembro
de 2007).
Como maior argumento, ela insistia
que não houve "autorização" para reprodução desta matéria. Porém, sei
bem que a lei de Direitos Autorais permite livremente a reprodução de conteúdos
da imprensa, desde que haja atribuição de crédito à fonte, como se pode ver na Lei 9.610/98 (site do Planalto):
I - a reprodução:
a) na imprensa diária
ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou
periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de
onde foram transcritos;
(...)
III - a citação em
livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens
de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida
justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da
obra;"
Não há que se falar em direitos de
autor para ela; e sim para a revista. Uma vez que ela tenha pedido para
ou aceitado ser entrevistada pela revista, tornou-se pública, permitindo
que outras fontes também tivessem acesso ao material divulgado.
Vejamos paralelo nesta decisão
mencionada pelo JusBrasil: "Não se
pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma
redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer
veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário
público, não é lícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a
proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. -
Recurso especial não-provido. (Resp 595.600, Relator Ministro Cesar Asfor
Rocha, de 18/03/2004)"
Também não havia neste texto ofensa
à sua honra, seja por calúnia, difamação ou injúria contra a pessoa, pelo contrário,
apenas divulgação elogiosa, como se poderá ver abaixo.
Poderíamos pensar em direitos de imagem para
ela. Afinal, de acordo com a Súmula 403 do STJ: "Independe de prova ou
prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com
fins econômicos ou comerciais." Porém é claro que não obtive lucros
com este blog ao divulgar a imagem dela; o fim foi apenas de divulgação de
projetos sobre vegetarianismo.
Vejamos o que conclui a respeito o
site JusBrasil, linkado logo acima: "A nosso ver, e de acordo com o que
vem sendo decidido pela jurisprudência pátria, a ação para fazer cessar o uso
indevido de imagem (clássica obrigação de não fazer), assim como àquela para
pleitear a consequente indenização (obrigação de pagar quantia), demandam duas condições
alternativas ; 1) exploração econômica através da imagem e/ou; 2) lesão
da pessoa retratada."
E há também, claro, o interesse
público da comunidade vegetariana envolvido na questão devido ao projeto de
conscientização realizado.
Apesar disso, a notificação que ela
me mandou requeria a retirada da matéria e fotos "sob pena de ajuizamento
de demanda judicial cumulada com pedido de danos morais, devidamente corrigidos
monetariamente". (!)
Seja como for, a despeito de meu
desgosto na interferência dela em meu blog pessoal, da maneira
descortês e estranha de abordagem por não falar comigo diretamente (apesar de a advogada em si nunca ter sido descortês, pelo contrário, sempre educada), dos argumentos jurídicos sem sentido, e
do sombrio "sob pena de (...)" acima; desconhecendo os motivos
pessoais da pessoa, como proposta de acordo, retirei as
menções ao nome e também a foto dela daqui; menções ao colégio em que ela
atuou, entre outros detalhes, mantendo somente algumas passagens do texto
original para demonstrar seu teor.
(Também solicitei à coordenação da
USP da rede de blogs Stoa, onde este post havia sido copiado, para retirá-lo do
ar.)
Realmente fiz questão de
não apagar este post, e pelo contrário busquei expandi-lo, pesquisando
sobre seu caráter jurídico, já que a reclamante fez questão de entrar nesse
mérito - até para ajudar outros leitores que busquem pelo assunto na
internet a se esclarecerem sobre possíveis abusos neste tipo de situação. Mesmo
assim, como pediu a advogada da solicitante em nosso acordo, reescrevi o texto de forma
impessoal, retirando o nome dela, entre outros detalhes, como citei, além de termos que ela não tinha apreciado em uma versão prévia deste post (talvez por não achá-los de bom tom). Então,
dou o caso por encerrado.
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O texto inicial da matéria era: "Ela superou as dificuldades do passado e hoje divulga o vegetarianismo em um dos lugares onde ele mais deveria ser divulgado: nas salas de aula"
""Quando percebemos o grau
de desumanização da sociedade, vemos que a arte na educação pode ajudar no
processo de reconstrução de uma identidade humana". A frase não poderia
vir de outra pessoa senão de um educador. Neste caso, de uma professora
paranaense determinada em seu propósito: divulgação do vegetarianismo por meio
da educação e de trabalhos artísticos. Consciente das mazelas da
sociedade, ela se propôs a desempenhar seu papel e realizar algo pela
vida.
(...) Destinado a estudantes de 16 e
17 anos da rede pública de ensino, o programa pretende não apenas pôr fim à
desinformação em relação ao movimento vegetariano, mas também quebrar barreiras
socioculturais tão arraigadas no Brasil. "A escola reflete os conflitos de
interesses existentes na sociedade, que está polarizada entre uma minoria com
renda monumental e uma maioria miserável, e que segue um modelo político e
econômico em que o lucro e a produtividade estão acima de tudo".
(...)
Convicta de sua
escolha, resolveu arregaçar as mangas e ir atrás daquilo que acredita
fazer a diferença: educação. No final do ano passado, elaborou seu projeto e
buscou instituições de ensino que se interessassem pelo programa. Visitou três
escolas da rede pública de Curitiba, onde mora atualmente, e apenas uma -
Colégio (...) - aceitou sua proposta. "Em função da minha formação e
experiência profissional como professora de (...), acabei por integrar a arte
em questões relativas ao meio ambiente e à cidadania." (...)"
[Da Revista dos Vegetarianos, edição número 12, de setembro de
2007; trechos entre colchetes são minhas inserções.]
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