terça-feira, 3 de abril de 2012

Livro “Kyoto”, do Nobel Kawabata, é doce sutil no Japão em modernização


[Templo Heyan, em Kyoto, no primeiro dia de 2005, quando estive na cidade]

“Será difícil tecê-lo, mas tentarei de todo coração. O desenho deve ser fruto do afeto de sua filha para com o pai e o carinho do pai para com ela.”

A última frase acima, do terceiro capítulo do livro “Kyoto”, me tocou profundamente. Trata da relação entre a jovem protagonista e o pai, que tenta criar estampas para faixas de quimonos. É nesse tom emotivo e delicado que o livro segue, e acho que é um bom exemplo para situar o leitor desta resenha. Por isso optei por abrir este texto com ela.

Pois bem, foi graças ao Desafio Literário 2012 (em abril dedicado a escritores orientais), que enfim tive coragem para ler até o fim esse livro, do japonês prêmio Nobel Yasunari Kawabata (1899-1972). É uma obra que eu tinha ganhado de um amigo da faculdade de Jornalismo faz alguns anos, achei aparentemente agradável, mas muito parado, ao ler o início. Não havia tido estímulo para sair do começo (como infelizmente tenho feito frequentemente, aliás).

Mas agora li o livro com método: em cerca de dez dias, aproximadamente um capítulo por noite – há nove capítulos. Ocorre que a história não tem lá aquela aventura acontecendo, aqueles conflitos e tensão alucinantes. Tudo é bem suave, sutil.

Se fosse pensar em algum conflito (ou no máximo talvez se pudesse dizer “curiosidade”, “pulga atrás da orelha”), seria o vago interesse da protagonista, Chieko, em saber sobre sua origem, já que é filha adotada – e ouviu uma estranha história dos pais que a criaram sobre ter sido “sequestrada” por eles quando bebê, mas eles às vezes mudam a versão sobre onde foi isso, ou se teria sido abandonada em frente da casa atual.



[Kinkakuji, "Templo do Pavilhão Dourado", em Kyoto]

2) Japão de quimono e motorizado

É muito interessante como o livro fotografa um momento de transição do Japão entre o que costumamos identificar como “antigo, medieval” e “contemporâneo, moderno”: e na metade do século 20! O pai de Chieko é comerciante de quimonos; ele (e ela também, mesmo com seus 20 anos), praticamente só usa quimono; praticamente toda diversão retratada no livro gira em torno de visitar templos, observar cerejeiras e participar de festivais tradicionais. Ou seja, dá pra pensar que a história poderia ser ambientada num Japão bem mais antigo.

Mas aos poucos começamos a notar traços tecnológicos: ônibus, táxi, telefone, o que já dão uma dimensão melhor de época. Há também referências históricas recentes, como ao templo Kinkakuji (Templo do Pavilhão Dourado), que teria acabado de ser reconstruído, em 1955, após ser destruído por incêndio em 1950.

Para mim foi muito inusitado imaginar essa situação: gente de quimono andando de carro ou ônibus e falando ao telefone. Já estive no Japão duas vezes, por quase um ano ao todo, e sei que ninguém se veste mais assim, a não ser em situações bem específicas, como o condutor de uma cerimônia do chá (participei de uma com amiga japonesa); ou mulheres em um festival específico (tive a sorte de avistar umas quando estive em Tóquio, creio que estavam assim por esse motivo mesmo).



[Templo de Shitegamoji, em Kyoto, onde participei de cerimônia do ano novo]

3) Minhas lembranças pessoais de Kyoto

Além disso, pessoalmente foi emocionante e deu uma nostalgia ler uma história ambientada em Kyoto, província e cidade que foi capital (imperial) do Japão por mais de mil anos. É que estive lá por uns dois ou três dias, incluindo exatamente a virada do ano entre 2004 e 2005. Foi emocionante passar meu Réveillon nessa cidade que é tida como a mais tradicional do país – mesmo que tenha sido sozinho e economizando ao máximo; tanto que na noite da virada, dormi em um assento de um café que ficava aberto de madrugada; e almoçava com marmitas em Tupperware que levei.

Se há uma coisa que o livro esbanja, são citações históricas e de locais reais e específicos de Kyoto. Assim, há o já citado, famoso e lindíssimo Kinkakuji, que eu visitei; além dos incríveis templos Shitegamoji e Heyan (e nomes similares são exemplos do roteiro dos personagens do livro, mas, por confusão de grafia e tradução, não tenho certeza se foram exatamente os mesmos).

Um personagem estudante universitário amigo da protagonista me lembrou de uma das raras pessoas com quem pude conversar em inglês em Kyoto, me dando dicas no ônibus sobre o bairro de Gion - é onde as gueixas costumam ficar, confirmava ele.

Por falar nesse bairro, a narrativa também o cita frequentemente – não pude visitá-lo na ocasião pela correria, mas que fique como justificativa para voltar a Kyoto um dia!



[Folhas nevadas no jardim do Kinkakuji, no inverno de 2004-2005]

4) Glossário chato e sintonia emocional

O que é chato é o livro ficar remetendo tanto ao glossário que há no fim (explicando sobre personagens históricos, templos, correntes artísticas, pontos geográficos, etc.). Se ao menos remetesse a notas de rodapé na mesma página, a leitura seria bem mais fluente, apesar da contínua “aula de história”.

Apesar disso, se você conseguir sintonizar-se com o ritmo suave e lento da narrativa e embarcar nela como eu fiz, poderá degustar uma bela e doce obra.

Aliás, o último capítulo, quando cada vez mais a protagonista se envolve com a irmã perdida, é de dar vontade de chorar de emoção, de alegria, de carinho.

No entanto, não espere um final “de verdade”. É daquelas histórias que terminam sem solucionar as dúvidas que estavam no ar. Fica mesmo pro leitor imaginar.



[Parque imperial de Kyoto; todas as fotos neste post eu tirei na virada 2004-2005, quando estive na cidade, durante uma semana de férias de meu trabalho como peão de fábrica no Japão.]

(A propósito, essa coisa de “falta de conflito” e “final aberto” também é o que parece ter ocorrido com o meu último conto... Se quiser, dê uma espiada. É infanto-juvenil e chama-se “O mais longe possível”. Acho que no fim eu também tenho um gosto de fazer a coisa mais suave. Apesar de que deve ser bom eu experimentar também outros voos mais ousados na minha escrita da próxima vez...)

2 comentários:

Vivi disse...

Linda essa delicadeza e sutileza da escrita oriental. É uma outra toada que vale ao pena conhecer. Adorei ver as entremeando e complementando o texto da resenha. Dá provas de que a imagem é texto também. Vou ler o seu conto. Depois nos falamos. Bjs

Ana O. disse...

Oi, Maurício.Gostei da sua resenha porque não foi só uma observação sobre o livro, mas vc narrou suas experiências no local deixando assim, mais emocionante e mais profundo o seu post porque uma coisa é imaginar o lugar, outra é estar presente e poder juntar a sua opinião com a do autor."