Tinha ouvido falar deste livro há um tempo atrás e me lembrei dele quando estava buscando orientação sobre poesia. Li no último fim de semana, e eis o que destaquei da leitura!
*
"E se, desse ato de se voltar para dentro de si,
desse aprofundamento em seu próprio mundo, resultarem versos, o senhor não
pensará em perguntar a alguém se são bons versos. Também não tentará despertar
o interesse de revistas por tais trabalhos, pois verá neles seu querido
patrimônio natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa
quando surge de uma necessidade.
“Não escreva poemas de amor; evite a princípio aquelas
formas que são muito usuais e muito comuns: são elas as mais difíceis, pois é
necessária uma força
grande e amadurecida para manifestar algo de próprio onde há uma profusão de
tradições boas, algumas brilhantes.
“Por isso, resguarde-se dos temas gerais para acolher
aqueles que seu próprio cotidiano lhe oferece; descreva suas tristezas e
desejos, os pensamentos passageiros e a crença em alguma beleza - descreva tudo
isso com sinceridade íntima, serena, paciente, e utilize, para se expressar, as
coisas de seu ambiente, para o criador não há nenhuma pobreza e nenhum ambiente
pobre, insignificante não tentará despertar o interesse de revistas por tais
trabalhos, pois verá neles seu querido patrimônio natural, um pedaço e uma voz
de sua vida.
[Com minhas (MK) palavras, a partir de outros trechos sobre poesia: Encontre o VOCÊ lá. Jorre emoções.
Força. Identidade. Necessidade. Reverbere a vida. Tenha amor pelas próprias
perguntas.]
“e toda a beleza nos animais e nas plantas é uma forma
tranqüila e duradoura de amor e anseio
"A idéia de ser um criador, de gerar, de formar"
não é nada sem a sua contínua e grandiosa confirmação e realização no mundo,
nada sem o consenso mil vezes repetido por parte das coisas e dos animais. E só
por isso o seu gozo é tão indescritivelmente belo e rico, porque é feito das
recordações herdadas da geração e da gestação de milhões de seres. Em um
pensamento criador revivem milhares de noites de amor esquecidas que o
preenchem com altivez e elevação. Assim, aqueles que se juntam durante as
noites e se entrelaçam em uma volúpia agitada fazem um trabalho sério, reúnem
doçuras, profundidade e força para a canção de algum poeta vindouro que surgirá
para expressar deleites indizíveis.
“É bom, antes de tudo, que o senhor exerça uma profissão,
porque isso o tornará independente e o entregará por completo a si mesmo, em
todos os sentidos
“Mas tudo o que talvez um dia ainda seja possível para
muitos o solitário pode, já agora, preparar e construir com suas mãos, que
erram menos. Por isso, caro senhor, ame a sua solidão e suporte a dor que ela
lhe causa com belos lamentos. Pois os que são próximos do senhor estão
distantes, é o que diz, e isso mostra que o espaço começa a se ampliar à sua
volta. Se o próximo está longe, então o que é distante vaga entre as estrelas,
na imensidão.
“Mas a sua solidão será um pouso e um lar, mesmo em meio a
relações muito hostis, e a partir dela o senhor encontrará os seus caminhos
“O que é necessário é apenas o seguinte: solidão, uma grande
solidão interior. Entrar em si mesmo e não encontrar ninguém durante horas, é
preciso conseguir isso. Ser solitário como
se era quando criança, quando os adultos passavam para lá e
para cá, envolvidos com coisas que pareciam importantes e grandiosas, porque
esses adultos davam a impressão de estarem tão ocupados e porque a criança não entendia
nada de seus afazeres.
“Se um acontecimento mais íntimo é digno de todo o seu amor,
é nesse acontecimento que o senhor deve trabalhar de algum modo, sem perder
muito tempo nem muito esforço para esclarecer sua posição em relação aos outros
homens.
“Eu sei, a sua profissão é dura e cheia de contradições que
o afetam, e eu previa as suas queixas, já sabia que elas viriam um dia. Agora
que vieram, não posso tranqüilizá-lo, posso apenas aconselhar que pondere se
todas as profissões não são assim, cheias de exigências, cheias de animosidade
contra o indivíduo, repletas do ódio daqueles que se conformaram, resignados e rabugentos,
com sua obrigação insossa. O cargo com o qual o senhor tem de viver agora não é mais carregado de convenções, preconceitos
e enganos do que todos os outros cargos; se há alguns que revelam uma liberdade
maior, mesmo assim não existe nenhum que seja amplo e espaçoso, que se
relacione com as grandes coisas de que a verdadeira vida é constituída.
“É assim em toda parte; mas isso não é motivo para medo ou
tristeza; se não há nenhuma comunhão entre os homens e o senhor, procure estar
próximo das coisas, que não o abandonarão; ainda lhe restam as noites e os
ventos que passam pelas árvores e sobre muitas terras; entre as coisas e os
animais, tudo ainda é pleno de acontecimentos em que se pode tomar parte; e as crianças ainda são como o senhor era
quando criança, igualmente tristes e igualmente felizes
“Seja paciente, sem má vontade, e pense que o mínimo que
podemos fazer é não dificultar sua vinda mais do que a Terra dificulta a
chegada da primavera quando ela se anuncia.
“Fique alegre e seja confiante.
“Amar também é bom: pois o amor é difícil. Ter amor, de uma
pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais
extrema, a derradeira prova e provação, o trabalho para o qual qualquer outro
trabalho é apenas uma preparação. Por isso as pessoas jovens, iniciantes em
tudo, ainda não podem amar: precisam aprender o amor. Com todo o seu ser, com
todas as forças reunidas em seu coração solitário, receoso e acelerado, os
jovens precisam aprender a amar. Mas o tempo de aprendizado é sempre um longo período
de exclusão, de modo que o amor é por muito tempo, ao longo da vida, solidão,
isolamento intenso e profundo para quem ama. A princípio o amor não é nada do
que se chama ser absorvido, entregar-se e se unir com uma outra pessoa. (Pois o
que seria uma união do que não é esclarecido, do inacabado, do desordenado?) O
amor constitui uma oportunidade sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se
algo, tornar-se um mundo, tornar-se um mundo para si mesmo por causa de uma
outra pessoa; é uma grande exigência para o indivíduo, uma exigência
irrestrita, algo que o destaca e o convoca para longe. Apenas neste sentido,
como tarefa de trabalhar em si mesmos ("escutar e bater dia e
noite"), as pessoas jovens deveriam fazer uso do amor que lhes é dado. A
absorção e a entrega e todo tipo de comunhão não são para eles (que ainda
precisam economizar e acumular por muito tempo); a comunhão é o passo final,
talvez uma meta para a qual a vida humana quase não seja o bastante.
“As exigências que o difícil trabalho do amor impõe ao nosso
desenvolvimento são sobre-humanas, e nós, como iniciantes, não podemos estar à
altura delas. Mas se perseveramos e assumimos esse amor como uma carga e um
período de aprendizado, em vez de nos perdermos em todo o jogo fácil e frívolo
atrás do qual as pessoas se esconderam da mais séria gravidade de sua
existência, talvez se perceba um pequeno avanço e um alívio para aqueles que
virão muito depois de nós; e isso já seria muito.
“E esse amor mais humano (que se realizará de modo
infinitamente delicado e discreto, certo e claro, em laços atados e desatados)
será semelhante àquele que nós preparamos, lutando com esforço, portanto ao
amor que consiste na proteção mútua, na delimitação e saudação
de duas solidões.
“E ainda isto: não creia que aquele grande amor que um dia
se impôs ao senhor, quando garoto, perdeu-se. Será possível saber com certeza
se, naquele tempo, não amadureceram grandes e belos desejos, propósitos dos quais
o senhor vive ainda hoje? Acredito que aquele amor permanece tão forte e
intenso em sua lembrança porque foi sua primeira solidão profunda, o
primeiro trabalho íntimo com que o senhor elaborou sua vida.
“Voltando ao assunto da solidão, fica cada vez mais claro
que no fundo ela não é nada que se possa escolher ou abandonar. Somos
solitários. É possível iludir-se a esse respeito e agir como se não fôssemos. É
tudo. Muito melhor, porém, é perceber que somos solitários, e partir exatamente
daí. Com certeza acontecerá de sentirmos vertigens, pois todos os pontos em que
nossos olhos costumavam descansar nos são tirados, não há mais nada próximo, e
toda distância é uma distância infinita. Quem fosse retirado de seu quarto,
quase sem preparação ou transição, e posto nas alturas de uma grande montanha,
necessariamente sentiria algo semelhante: uma insegurança sem igual, um
abandono ao inominável quase o aniquilariam. Ele pensaria estar caindo ou sendo
arrastado pelos ares ou destroçado em mil pedaços. Seu cérebro precisaria
inventar uma mentira enorme para captar e esclarecer a situação de seus sentidos.
“Por que o senhor pretende excluir de sua vida qualquer inquietude,
qualquer dor, qualquer melancolia, sem saber o que essas circunstâncias
realizam? Por que perseguir a si mesmo com estas perguntas: de onde pode vir
tudo isso e para onde vai? No entanto, o senhor sabe que está em meio a
transições e não desejaria nada mais do que se transformar.
“Mas em toda doença há muitos dias em que o médico não pode
fazer nada além de
esperar. E é isso, mais do que qualquer outra coisa, que o
senhor, por ser seu próprio médico, precisa fazer agora
“Em geral, é preciso ter muito
cuidado com os nomes; muitas vezes é o nome de um crime que destrói uma vida, e
não a própria ação, pessoal e inominada, que talvez fosse uma necessidade muito
determinada dessa vida e pudesse ser acolhida sem esforço por ela.
“Se ainda posso acrescentar algo, é o seguinte: não acredite
que quem procura consolá-lo vive sem esforço, em meio às palavras simples e
tranqüilas que às vezes lhe fazem bem. A vida dele tem muita labuta e muita tristeza
e permanece muito atrás dessas coisas. Se fosse de outra maneira, nunca teria
encontrado aquelas palavras.
“é sempre o que eu já disse, sempre o desejo de que o senhor
descubra em si mesmo paciência o bastante para suportar e simplicidade o
bastante para acreditar. Que o senhor ganhe mais e mais confiança para aquilo
que é difícil, para a sua solidão em meio aos outros.
“Sua tendência para a dúvida pode se tornar uma boa
qualidade se o senhor a educar. Ela precisa se tornar saber, precisa se tornar
crítica. Pergunte a ela, a cada vez que quiser estragar algo seu, por que algo
é feio, exija provas dela, teste-a, e o senhor talvez a deixe indecisa e
confusa, talvez revoltada. Mas não desista, reivindique argumentos e aja assim,
de modo atento e coerente, a cada vez. Dessa maneira chegará o dia em que sua
dúvida se converterá de uma destruidora em sua melhor colaboradora - talvez a
mais esperta no meio de tudo aquilo que trabalha na construção de sua vida.
“Entretanto pensei no senhor muitas vezes nesses dias
festivos e fiquei imaginando como devia estar em seu forte solitário, entre as
montanhas isoladas, sobre as quais se precipitam aqueles grandes ventos do sul,
como se quisessem devorá-las.
“Também a arte é apenas um modo de viver, e é possível se
preparar para ela sem saber, vivendo de uma maneira ou de outra. Em tudo o
que é real há mais proximidade dela do que nas falsas profissões
semi-artísticas que, ao simular uma proximidade da arte, na prática negam e
atacam a existência de qualquer arte. Por exemplo, todo o jornalismo faz
isso, assim como quase toda a crítica e três quartos do que se chama e
pretende ser chamado de literatura. Alegra-me, em suma, que o senhor tenha
superado o perigo de cair nessa armadilha e se encontre em meio a uma realidade
bruta, solitário e corajoso. Espero que o próximo ano o mantenha assim e o
fortaleça.”